sábado, 14 de março de 2009

2005 [em construção]


Fazia frio, muito frio dentro de mim. Um copo de café, uma carteira nova de cigarro e uma página do jornal de ontem. Poucos carros na rua. Comecei a andar sem rumo, chutando as pedras em minha frente. Acendi o primeiro cigarro enquanto ainda havia resquícios de café no copo. Não havia som algum, a não ser da minha respiração cansada. Cansada de mim. O cigarro se acabou quando notei que alguns carros e pessoas apareciam na rua. Pessoas indo trabalhar e estudar. O céu fechado de nuvens condenava a chuva que viria. E veio. As gotas do chuvisco se misturavam com a terra seca e vermelha. Formou-se lama. Meu cabelo molhou, caindo sobre meus olhos cansados. Cansados de mim. Mais algumas pedras chutadas e um cigarro molhado. A chuva apertou e eu não tinha para onde ir. Na verdade tinha, mas era de lá que estava tentando fugir.

Refugiei-me em uma recepção de um prédio comercial qualquer. Os funcionários reclamavam do café. Fraco e sem açúcar. Café fraco me deprime, faz meu dia começar mal e me dá a certeza de que terminará assim. Sentei-me em um banco, apoiei o rosto em minhas mãos e esperei a chuva cessar. Sem motivos, pensei no porque tantas pessoas dizem que não se vive de passado. Enquanto eu posso lembrar onde eu errei, continuo tentando ser uma pessoa melhor. Mas não tento ser melhor para qualquer um. Eu não confio em quem confia em mim.

Talvez por causa de tantas angústias entaladas em minha garganta eu estava lá. Sozinha. Não tenho medo da solidão, não hoje. Sabendo que tudo pode mudar amanhã, não me aventuro em nomear amigos ou amores. Não hesito em terminar mais uma vez um romance. A dor só prova que eu existo. Acordando quase afogada do mar de pensamentos que me atordoavam, levantei-me assim que notei apenas uma gota ou outra caindo do céu. Peguei mais um cigarro e prossegui sem rumo. Andei e andei até sentir minhas pernas cansadas. Cansadas de mim.

Fui ao ponto de ônibus. Acendi um cigarro. Um amigo me disse que toda vez que você acende um cigarro seu ônibus passa, só para ter que apagá-lo. E isso sempre deu certo comigo. Peguei um ônibus, as janelas estavam abafadas. Odeio janelas fechadas. Dei a volta na cidade e parei no mesmo lugar. Acho que essa é uma das coisas que todos deveriam fazer uma vez na vida. Exceto quando as janelas estão fechadas. Desci do ônibus, chutei uma pedra enorme e virei a esquina. Esquina não. Aqui não tem esquina, porque aqui não tem rua, não tem graça.

Abri a porta de casa e lá estava ela, abrindo um livro de um país qualquer que provavelmente nunca vai chegar a conhecer e ouvindo uma música que eu não suportava. E eu chegava devagar como se não conhecesse nenhuma parte de seu corpo. Tentando novos caminhos, talvez atalhos. De certo, me perdi. Ela abriu os olhos até então bem apertados e guiou minhas mãos. Nesse momento a música não fazia mais diferença. Eu escutava as batidas de um coração. Não sabia se era o meu ou o dela. E no ápice de toda a minha sinceridade, congelei meus olhos nos dela. Ela desviou o olhar. Levantei-me e segui para a porta olhando a bagunça que eu deixei naquele lugar e nela também. Esquece, esquece...

Acendi um cigarro e senti um gosto diferente. Gosto de lágrimas. Já não tinha forças para chutar mais nada.

2 comentários:

bichauo disse...

comentar qualquer coisa seria pouco, então pensei em não comentar, mas já comecei e não me resta outra saída a não ser clicar em "publicar comentário", ou fechar a página, talvez, mas o botão vermelho com o xis está mais longe que o botão de publicação

Viscus disse...

Porra, parabéns.