quinta-feira, 1 de julho de 2010

Talvez tudo seja simples demais para parecer interessante

Faz assim: começa, continua e promete que nunca vai parar. Promete? Mesmo que as palavras fiquem enojadas de tanto se repetir. Mantenha os fatos latejando para não se esquecer por um instante sequer do quanto isso te fez respirar. Faz isso por mim? Fico sem graça quando meu corpo não explode. Fogos, fogos. Mas permaneço insosso por pouco tempo, e não sei se isso é bom ou ruim. Volta e meia, alguns dedos tornam a encarar meu olhos, que se esquecem de fechar, e tudo estoura. As faíscas já me cegaram faz tempo. Então você tenta enxergar por mim e sussurra em meus ouvidos o que anda acontecendo aí fora. Certamente, tudo soará mais interessante do que realmente é, porque ainda sou capaz de lembrar detalhes da época em que enxergava. Tudo bem, conte como bem entender, não vou te impedir em momento algum. Quero ver até onde vamos com essa mania de engolir farpas.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Pilha

Quando me dei conta estava alí, no meio das duas, esmagada entre seus ombros desdenhosos. Tudo dói, e eu sinto que serei destroçada em breve. Não sei se devo evitar, talvez seja até o que sempre desejei. Insisti para que me construíssem através dos intervalos mantidos entre a sede e a seca, e agora me equilibro com todas as forças para não pender para um lado ou outro. Percebo, de fato, que o início parecia apaixonante e eu mal conseguia controlar a minha ânsia, queria porque queria escalar cada vez mais alto. Só assim poderia observar, mesmo que com olhos turvos, o que uma fazia ou deixava de fazer. Hoje uma dorme e a outra finge entender. Queria somente lembrar quem começou a amontoar livros, quem teve a ideia de me deixar existir só porque uma já não existia mais para a outra.

sábado, 27 de março de 2010

- Andei desejando as suas ruínas.

Culpa sua por ter se esforçado tanto para me distanciar de seu bem. Não adianta o deter e depois vir me dizer que não será possível. Demonstrei desde o início que não significava o mesmo para mim, deixando-a à vontade para se construir através dos meus estilhaços. Lembra como éramos antes? Íntegras, intactas. Até que arrancaram nossas armas e as usaram pelas nossas costas. Apunhalaram-nos de olhos fechados. Não é injustiça, pois já fizemos o mesmo tantas vezes que nem nos machucamos mais, nem sujamos nossas mãos.

-Tente.

- Mesmo?

- Eu vou arrancar as suas tripas e roubar tudo o que você acha que tem de bom nessa vida.

quarta-feira, 24 de março de 2010

É gratificante e constrangedor saber que aquilo que você mais gosta está sendo exposto de uma forma impulsiva. Mas é assim, se não quer se mostrar, então não coloque o rosto para fora da janela. Poderia facilmente enterrar as confissões sob um punhado de vergonha até que, algum dia, resolvam remexer no tortuoso. Estranho, mas óbvio que não surpreende. Só que eu juro que isso arranca mais de mim do que deveria. E o pior é que não chega a ser digno, mas é verdadeiro, é de alguma parte daqui que eu desconheço. Uma espécie de dor que eu gosto tanto que chego a tratá-la bem. Talvez ainda não tenha percebido, mas eu não deixei a porta escancarada por acaso... Deixei para que você possa entrar devagar sem que eu perceba, e para que você possa sair também.

Larguei meu corpo e o deixei pesar sobre o chão frio. Se o chão, ao menos, pudesse sentir o meu frio também... Mas eu recebo e tranco toda e qualquer sensação, deixando-a azedar, apodrecer e me fazer ter, cada vez mais, nojo de mim. Se o meu convívio já fluiu algum dia foi porque eu pratiquei a ausência, e é disso que eu preciso agora. Existo tanto e por tanto tempo que me proíbo de lembrar o que já me fez ser uma tragédia. Que falta faz a falta. Saudade das sutilezas que vivi com tanta intensidade. Aquele morno me parece tão quente agora. Cochichar abafado, o fôlego também. Sinto falta da falta de fôlego, então. Pode ser que a culpa seja minha, e eu realmente acredito que seja. Jogo minha cabeça para trás e me afogo. Nunca. Acordei assim, sem querer acordar, resistindo à vontade de viver que não fosse aquela de uns anos ou minutos atrás. Todo o intervalo entre os dois momentos não serviu para formar quem sou eu: a consequência. Chega a ser doloroso perceber como tudo que busco se resume a alguma situação semelhante. Talvez tudo seja simples demais para ser interessante. Conversa besta que só está ali para não deixar calar as bocas.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Duo

Gotas gordas, gotas grossas pincelam meu escudo escuro, tornando-o quase negro. Tom por tom o escudo se enxarca e, enfim, amolece. Seguro-o firme, agarro, assim esmago-o. Ele se desfaz em minhas mãos, expondo-me. Não sei para onde correr. Não sei onde me esconder. As gotas continuam a me ferir.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

21

Convido você para comemorar meu incrível aniversário na pastelaria, às 19 horas.

Queria eu ser genial o suficiente para comemorar os meus vinte e um anos comendo pastel ao pôr-do-Sol do horário de verão. Nada como admirar uma conversa lúcida na meia luz que não esconde os defeitos, mas os torna ambíguos. Talvez ele não seja tão insuportável, afinal de contas, faz parte dessa sinceridade toda. E eu tentarei fazer parte também. Acontece que uma faringite inoportuna me atacou. Ela é o resultado de minha comemoração: até 6 da manhã em uma boate. Uns goles aqui, uns tragos ali. Encho o corpo de qualquer coisa que o torne menos real. Eis o sintoma do sórdido. Agora há de arcar com as consequências da ebriedade. Vamos encher a cara de caldo de cana, então.

Estou com faringite, mas tentarei ir, claro. Feliz aniversário. Bisous.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O ENGANO EM CAIO FERNANDO ABREU



Referência Bibliográfica

ABREU, Caio Fernando. Morangos Mofados. Rio de Janeiro: Agir, 2005.


Caio Fernando Abreu (1948-1996), o “escritor da paixão” na definição de Lygia Fagundes Telles, foi um escritor brasileiro que contribuiu muito para a literatura contemporânea brasileira. Tornou-se reconhecido por delatar as angústias de uma geração sufocada pelo regime militar e, ao mesmo tempo, inserida em um novo conceito de modernidade, uma modernidade solitária e angustiante. Influenciado por Clarice Lispector, Caio F, como gostava de ser chamado, escrevia sobre as relações humanas, de uma maneira geral, utilizando linguagem dinâmica e urbana. De característica intimista, seu discurso se assemelha ao de Lispector, porém com algumas diferenças, como na abordagem sexual, Caio F. detalha a corporalidade, mas reforça também a questão do sexo vazio e depressivo. Ainda sobre este tema, pode-se perceber a questão quase sempre presente da homossexualidade. Caio Fernando Abreu era homossexual assumido e isso refletia em suas obras de maneira a direcionar a interpretação da narrativa, abordando a questão de gênero em personagens delicadamente complexos.

Morangos Mofados, publicado originalmente em 1982, foi a obra que marcou Caio Fernando Abreu como um dos grandes contistas brasileiros, recebendo o prêmio Jabuti de melhor livro de contos. Este livro é dividido em três partes: O mofo, Os morangos e Morangos mofados. A primeira parte aborda a questão da censura, liberdade de expressão e os demais sentimentos angustiantes durante a ditadura militar brasileira. É nessa parte do livro que se encontra o conto que será analisado, “Além do ponto”. A segunda parte prossegue com contos de profundidade única, relacionando-se com a primeira parte de maneira a formar um todo, uma obra só. Já a terceira, e última, parte possui um único conto e uma carta para “Zézim”, admitindo a adoração de Caio F. por Dalton Trevisan, um escritor curitibano ainda vivo, também conhecido por ser um excelente contista.

O conto Além do Ponto é dedicado a Lívio Amaral e, logo no início, demonstra o seu ritmo acelerado e o aspecto cinematográfico, que é muito presente nas obras de Caio Fernando Abreu. O autor faz com que o leitor se coloque, facilmente, no papel do personagem narrador, pois a linguagem é próxima da oralidade e intimista. Em um discurso rápido, percebe-se que o conto é estruturado em um único parágrafo e apresenta períodos longos, com poucas marcações por pontos finais. Essas características citadas causam ao leitor uma certa ansiedade e falta de fôlego no processo de leitura do conto.

A narrativa se inicia com o personagem, sem nome citado, narrando os acontecimentos sob o seu próprio ponto de vista. Primeiramente, ele descreve a situação na qual se encontrava: andando na chuva com uma garrafa de conhaque barato e um maço de cigarros molhados. Ele queria encontrar outro homem e, por isso, mede suas atitudes para que chegue o mais cedo possível ao encontro, então, a partir desse momento, se iniciam os pensamentos que o aturdiam. O personagem começa a se censurar para que o outro homem não pense coisas ruins dele, como beber, estar encharcado de chuva e até mesmo ter um dente quebrado. Então ele percebe que, na verdade, ele não queria que o outro o soubesse quem ele realmente era.
O caráter urbano permeia toda a jornada, enriquecendo o drama com detalhes de uma cidade fria e chuvosa. Passando pela cidade, o personagem se depara, finalmente, com a porta que seria o seu destino final. Então ele bate inúmeras vezes, até que percebe que ele estava há tempo demais em frente à porta e que, na realidade, não havia ninguém lá esperando por ele. Era tudo um engano.

Essa angústia vivida pelo personagem é reflexo dos sentimentos de toda uma geração inserida no governo militar, mas percebe-se também a naturalidade como é abordada a homossexualidade. Caio Fernando Abreu não causa alarde ao escrever sobre relações entre homens, tornando-as naturais e espontâneas, como realmente são. Assim, pode-se dizer que a confusão e engano que ocorreram com o personagem não são oriundos de um problema de auto-identificação de gênero, mas sim originários pela pressão do meio no qual ele estava inserido.
É de extremo interesse para aqueles que apreciam a literatura contemporânea brasileira que conheçam a obra de Caio Fernando Abreu, um autor que teve a capacidade de expressar com toda a sensibilidade os mais diversos anseios e depressões de um ser humano essencialmente real.

domingo, 3 de janeiro de 2010

A dor, o líquido e a frieza.

Ainda tentando me convencer de que isso aqui não sou eu. Dividir as dúvidas. Talvez seja só uma parte de mim. Na verdade, a parte é o resto e eu não quero mais isso aqui. É que se tornou tão necessário esperar que me façam esquecer. Ou sempre foi. O provável chega a ser impossível porque não permito. Seria mais fácil, então, expor. Dividir as dívidas. Rasgar e deixar escorrer. O que há de tão extraordinário? Não é tão quente como se imaginava. Nem de longe. De perto, a latência insiste na insensibilidade. E quando tudo voltar ao normal, se algum dia esteve assim, permitirei que a dor lancinante tome conta do que um dia chegou a não ser eu.