segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O ENGANO EM CAIO FERNANDO ABREU



Referência Bibliográfica

ABREU, Caio Fernando. Morangos Mofados. Rio de Janeiro: Agir, 2005.


Caio Fernando Abreu (1948-1996), o “escritor da paixão” na definição de Lygia Fagundes Telles, foi um escritor brasileiro que contribuiu muito para a literatura contemporânea brasileira. Tornou-se reconhecido por delatar as angústias de uma geração sufocada pelo regime militar e, ao mesmo tempo, inserida em um novo conceito de modernidade, uma modernidade solitária e angustiante. Influenciado por Clarice Lispector, Caio F, como gostava de ser chamado, escrevia sobre as relações humanas, de uma maneira geral, utilizando linguagem dinâmica e urbana. De característica intimista, seu discurso se assemelha ao de Lispector, porém com algumas diferenças, como na abordagem sexual, Caio F. detalha a corporalidade, mas reforça também a questão do sexo vazio e depressivo. Ainda sobre este tema, pode-se perceber a questão quase sempre presente da homossexualidade. Caio Fernando Abreu era homossexual assumido e isso refletia em suas obras de maneira a direcionar a interpretação da narrativa, abordando a questão de gênero em personagens delicadamente complexos.

Morangos Mofados, publicado originalmente em 1982, foi a obra que marcou Caio Fernando Abreu como um dos grandes contistas brasileiros, recebendo o prêmio Jabuti de melhor livro de contos. Este livro é dividido em três partes: O mofo, Os morangos e Morangos mofados. A primeira parte aborda a questão da censura, liberdade de expressão e os demais sentimentos angustiantes durante a ditadura militar brasileira. É nessa parte do livro que se encontra o conto que será analisado, “Além do ponto”. A segunda parte prossegue com contos de profundidade única, relacionando-se com a primeira parte de maneira a formar um todo, uma obra só. Já a terceira, e última, parte possui um único conto e uma carta para “Zézim”, admitindo a adoração de Caio F. por Dalton Trevisan, um escritor curitibano ainda vivo, também conhecido por ser um excelente contista.

O conto Além do Ponto é dedicado a Lívio Amaral e, logo no início, demonstra o seu ritmo acelerado e o aspecto cinematográfico, que é muito presente nas obras de Caio Fernando Abreu. O autor faz com que o leitor se coloque, facilmente, no papel do personagem narrador, pois a linguagem é próxima da oralidade e intimista. Em um discurso rápido, percebe-se que o conto é estruturado em um único parágrafo e apresenta períodos longos, com poucas marcações por pontos finais. Essas características citadas causam ao leitor uma certa ansiedade e falta de fôlego no processo de leitura do conto.

A narrativa se inicia com o personagem, sem nome citado, narrando os acontecimentos sob o seu próprio ponto de vista. Primeiramente, ele descreve a situação na qual se encontrava: andando na chuva com uma garrafa de conhaque barato e um maço de cigarros molhados. Ele queria encontrar outro homem e, por isso, mede suas atitudes para que chegue o mais cedo possível ao encontro, então, a partir desse momento, se iniciam os pensamentos que o aturdiam. O personagem começa a se censurar para que o outro homem não pense coisas ruins dele, como beber, estar encharcado de chuva e até mesmo ter um dente quebrado. Então ele percebe que, na verdade, ele não queria que o outro o soubesse quem ele realmente era.
O caráter urbano permeia toda a jornada, enriquecendo o drama com detalhes de uma cidade fria e chuvosa. Passando pela cidade, o personagem se depara, finalmente, com a porta que seria o seu destino final. Então ele bate inúmeras vezes, até que percebe que ele estava há tempo demais em frente à porta e que, na realidade, não havia ninguém lá esperando por ele. Era tudo um engano.

Essa angústia vivida pelo personagem é reflexo dos sentimentos de toda uma geração inserida no governo militar, mas percebe-se também a naturalidade como é abordada a homossexualidade. Caio Fernando Abreu não causa alarde ao escrever sobre relações entre homens, tornando-as naturais e espontâneas, como realmente são. Assim, pode-se dizer que a confusão e engano que ocorreram com o personagem não são oriundos de um problema de auto-identificação de gênero, mas sim originários pela pressão do meio no qual ele estava inserido.
É de extremo interesse para aqueles que apreciam a literatura contemporânea brasileira que conheçam a obra de Caio Fernando Abreu, um autor que teve a capacidade de expressar com toda a sensibilidade os mais diversos anseios e depressões de um ser humano essencialmente real.

2 comentários:

Manuella Braga disse...

Caio Fernando de Abreu foi um mito! Incrível a postagem, adorei!

Unknown disse...

Começando a ter contato mais frequente com as obras de Caio Fernando de Abreu, mas já estou amando. Acredito que farei meu TCC a partir de analises dos contos dele.